quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Anastácia

Olhando para ela, vejo o quanto é resignada. Verdadeiramente nobre.
Está paralisada. O processo não começou agora. Vem de algum tempo, mas se agravou há umas duas semanas.
Ela não sente dor e isto me conforta, mas seus rins estão deixando de funcionar e até para mastigar, ela tem dificuldade, o que a fez perder muito peso rapidamente. Hoje ela come cerca de duas colheres de sopa de comida por dia, às vezes até menos, mas ela já foi a "minha gorda"...
Sempre se comunicou comigo. Anastácia sabia me chamar latindo diferente, mais rouco, para obter a minha atenção para o que quisesse e mesmo diante de todas as suas dificuldades atuais, ela ainda se comunica, com olhares, ronronados e até um arremedo do que foi aquele latido tão peculiar.
Está definhando a cada dia. Não ouso me perguntar por que uma criatura tão maravilhosa, gentil, doce e suave tem que passar por isto, até porque não teria a resposta. Não posso compreender, ou alcançar o entendimento disso e choro.
Chego a pensar que é para eu aprender a me portar quando chegar a minha vez... como se eu pudesse ter a dignidade dela...
Assisto aos vídeos que fiz dela e vejo as fotos, desde que era bebê e relembro seus anos de glória, sempre marcados por sua meiguice e delicadeza.
Agora, chegando ao fim, com quase catorze anos de vida tranquila, assisto com o coração apertado e entre lágrimas a hora derradeira se aproximar. Eu sofro. Ela não sei, mas acredito que saiba da minha dor, porque eles sempre sabem...
Não me atrevo a pedir que ela lute para viver. Seria muito egoísmo da minha parte, porque tenho certeza que ela o faria, não importando o quanto isso representasse de mais sofrimento. Sei disto, porque eu ofereço água e ela reluta, com dificuldade para engolir, então eu digo pra ela obedecer a mamãe e na hora, num esforço descomunal, ela me olha e dá umas lambidinhas na água e eu choro.
Não sei se quero abreviar o sofrimento dela, ou o meu, mas tenho cogitado por um fim a essa condição e não sei lidar com essa hipótese. Tenho medo. 
Temo o remorso, temo a dor da partida dela e principalmente, tenho pavor de pensar no sofrimento dela para deixar a vida, porque morrer não é tão simples quanto parece e me assusta pensar que ela possa querer lutar mais um pouco e eu talvez esteja lhe tirando essa possibilidade.
Não quero que nada a agrida, nem a minha dor que é mínima, perto da gigante guerreira que já pesou oito quilos e agora está com menos de três quilos. Um saquinho de pele e ossos, com os mesmos olhos expressivos que sempre brilharam ao me ver. E continuo chorando...
Quero que ela vá em paz, mas não consigo pensar nela partindo sem que também sinta medo, ou tente desistir para me poupar. Penso em sussurrar em seus ouvidos, para que ela se encha de coragem e faça a sua viagem, mas quando a tomo tão pequenina em meus braços e ela olha pra mim, com tristeza, eu desisto e apenas digo que a amo. Agora entre soluços... e sei que ela pressente todos os meus sentimentos, porque seus olhos se iluminam num lampejo, como quem ainda se sente no dever de fazer por mim o que eu jamais poderei retribuir, porque este amor por mais que a gente tente, nunca pode ser retribuído, porque o ser humano não sabe amar como um cão.
Penso nas crianças e em todas as pessoas terminais e sinto constrangimento, por saber como é a dor dos entes queridos em seus sofrimentos e daqueles que ficam, mas não posso evitar, porque também ela é um ente querido para mim.
E eu olho pra ela, agora deitadinha ao meu lado e me olhando de volta, sinto meu coração diminuir ainda mais dentro do peito, mas também sinto esperança de que ela amanhã acorde bem e recuperada desse pesadelo, seja aqui, ou no lugar mais lindo que se possa imaginar, para que seus amiguinhos a recebam em festa, como ela merece.

Eu te amo minha gorda!

Boa tarde!