quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Inesquecível

Dizem que o primeiro sutiã, a gente nunca esquece. Deve ser verdade... o meu era horroroso, porque minha mãe seguiu todas as recomendações médicas! Risos...
Mas não foi para falar do primeiro sutiã que eu vim hoje. Foi pra falar do primeiro namorado.
O primeiro namorado, realmente é marcante para o resto da vida, mas não porque seja alguém especial, diferente nem nada. Apenas porque é ele quem define o marco onde termina definitivamente a infância e começa a adolescência. É por ele, o primeiro namorado, que a gente perde a leveza do coração puro e abandona definitivamente as bonecas, os bichinhos de pelúcia...
Como eu tenho uma irmã mais nova, brinquei de boneca até meus quatorze anos aproximadamente, mas desde os doze anos, elas já não me fascinavam tanto. Lembro que nessa época, me apaixonei pelo irmão de uma colega de escola.
Eu suspirava por ele... quando passava pelos corredores do colégio, enchia meu dia de encantamentos... mas nunca passou disso. Ele não estava nem ai pra mim!!! 
E na época, acho que ele não estava ainda nem ai para garotas... meninos amadurecem mais tarde.
Mas quando eu já tinha completado quinze anos, morando ainda em São Paulo, meu pai, pela primeira vez permitiu que eu viajasse para Uberaba (sem ele ou minha mãe), com uma prima dele, cujas filhas tinham as mesmas idades que eu e meus irmãos. Lá fomos nós, de ônibus para Uberaba. Então, eram dez horas de viagem (estrada ruim e ônibus pior ainda), para percorrer quatrocentos e oitenta quilômetros.
Já tínhamos nos acomodado nos assentos, minha prima ao lado da sua filha mais velha e eu em outro banco, na frente delas, quando entraram dois rapazes bem alegres e vieram na nossa direção e pela primeira vez, senti um frio percorrer a minha espinha, porque ambos olharam pra mim de um jeito diferente. Notei que estava sendo "paquerada".
Assim que o ônibus se pôs em movimento, ele sorriu e comentou alguma coisa, para iniciar uma conversa, mas tratei de desconversar, porque temia que meu pai me tirasse do ônibus se desconfiasse que algum menino estava tentando se aproximar, mesmo o veículo já tendo deixado a rodoviária, afinal, pais sempre descobrem essas coisas!
Não tardou para que a minha prima dormisse pesadamente e ele sem a menor cerimônia, buscou trocar de lugar com a pessoa que estava sentada ao meu lado. 
Ele era muito charmoso, tinha cabelos castanhos e fartos e um sorriso encantador. Me ofereceu um Drops, uma bala que a gente consumia muito naquele tempo. Aceitei.
Durante algum tempo, a gente conversou e ele que já tinha dezoito anos, foi conduzindo a conversa com maestria, enquanto eu por timidez, não ousava a responder com frases inteiras, usando apenas meias palavras.
Em dado momento, ele me beijou. 
Eu quase morri de vergonha e de medo! E, claro, ele percebeu que eu não sabia como fazer, mas foi delicado e voltou a conversar normalmente, até que me perguntou se eu tinha namorado.
Percebi que a pergunta era para ter certeza que eu nunca tinha beijado antes e desejei morrer naquele momento. Quase gritei para a minha prima me tirar dali, mas ela continuava dormindo...
E ele me beijou a segunda vez, mas agora, com calma, foi me orientando entre um sorriso e um toque dos lábios nos meus e quando eu consegui engrenar, ele sorriu satisfeito e lembro que comentou que estava diante de uma mosca branca. 
Era um elogio! Estava dizendo que eu era rara, única e que ele estava se sentindo privilegiado por ter me dado o meu primeiro beijo.
Namoramos por alguns meses porque ele morava também em São Paulo, até que um dia, meu pai o surpreendeu me beijando na sala, o pegou pela orelha (literalmente) e o colocou do outro lado da calçada da rua, advertindo-o que ninguém tocava na filha dele.
Os anos se passaram e nos reencontramos já adultos e sempre nos lembrávamos desses momentos tão lindos e delicados nas nossas vidas, com o carinho que essas recordações merecem.
Um dia, ele parou de responder as  minhas mensagens (ele morava em Santos, cidade do litoral paulista e eu morava em Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina). Tentei outros meios, sem sucesso, até que infelizmente, há um ano e pouco, soube que ele havia partido para sempre. Infarto.
Fiquei muito triste, porque meu primeiro namorado partiu sem se despedir de mim e eu não pude dizer a ele que é inesquecível.

Bom dia!

domingo, 22 de novembro de 2015

Conexão

Ela abriu os olhos e sentou-se na cama tentando "puxar" o ar que não conseguia lhe encher os pulmões. O coração estava enorme e pesado.
O pressentimento de que ele havia se casado era tão denso, que ela não queria confirmar.
Na verdade, apesar da forte ligação que sempre houve entre eles, já fazia muitos anos que eles se separaram, mas ela continuava tendo esses lampejos de avisos sobre algo que estava acontecendo com ele, como quando ele conheceu a primeira mulher, ao lhe fazer uma visita, ela lhe disse do nada, para cuidar bem da pessoa com quem ele estava saindo, que seria a esposa dele; Ele lhe olhou intrigado e respondeu que não estava namorando ninguém e que tinha conhecido uma moça na noite anterior. Ela sabia que seria a esposa dele.
Ou quando seu pai morreu, também sem a menor lógica, ao abrir uma gaveta onde jamais seria provável, deparou-se com uma foto dele (dessas 3 x 4), sobre as toalhas. Quando ligou pra ele, ele estava muito mal e disse que sabia que ela ligaria.
Ela se arrastou da cama para o chuveiro e foi trabalhar, carregando um peso enorme e pensando nele o tempo todo. Tentava se convencer que sabia que isso ia acontecer um dia, mas ainda assim, doía mais do que imaginou que doeria.
Trabalhava com o noivo, um chef italiano, no restaurante dele, porque a vida continuou para ela e para o grande amor da sua vida, apesar de não ficarem juntos. 
No final do expediente do almoço, ela não se conteve e ligou para a mãe do outro, para saber se estava tudo bem. Entusiasmada, a mãe lhe respondeu com uma pergunta: - Ah, o meu filho te contou que o casamento era hoje cedo?
As lágrimas foram descendo pelo rosto dela diante da confirmação e mesmo desejando do fundo do coração que ele fosse feliz, ela transmitiu os cumprimentos e procurou abreviar a conversa, porque já estava quase soluçando de dor, ante a constatação do que seu coração já sabia desde sempre.
Ao vê-la chorando em silêncio, o noivo lhe perguntou o que estava acontecendo e como a relação deles era de amizade, e não de amor, ela não lhe escondeu o que estava vivendo. Contou o que estava lhe ferindo de morte.
Num gesto de delicadeza, o noivo foi até o bar do restaurante, escolheu criteriosamente um licor de limão siciliano e serviu dois cálices.
Ofereceu a ela dizendo: "Quando a vida nos dá um limão, podemos fazer uma limonada, ou um delicioso licor. Beba em homenagem a esse amor tão grande, que eu jamais poderei merecer".
Nunca ela tinha sentido tanta gratidão pelo gesto de alguém, como sentiu naquele instante.
Entendeu o significado do gesto do noivo e bebeu à saúde e felicidade de ambos - o grande amor da sua vida e aquele amigo que estava para ser seu marido e certamente seria capaz de gestos delicados e senhor de uma generosidade que a encantaram.
Pode então, retomar sua vida com o coração mais leve e a esperança de que um dia, aquele amor interrompido por decisão de ambos, nem que fosse em outras existências, seria retomado e ela só conseguiu seguir adiante, porque acreditava profundamente nisso.

Boa tarde!

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Conto

O Avesso
(escrito em Uberaba, no dia 13 de outubro de 1988, aos 49 minutos)

Era como se eu virasse mais uma página daquele romance bem água com açúcar.
É, daqueles que a gente sabe que no final, o mocinho fica com a mocinha, sem importar o quanto ele tenha sido o bandido ou ela a 'megera indomável'. 
O famoso "happy end".
No fundo, sabia que o bandido estava mesmo fazendo o papel de mocinho, enquanto a pobre mocinha frágil passava pela bruxa má.
Mas virei a página assim mesmo. Quase desinteressada. 
Quando me dei conta, o enredo fora modificado - a estória agora era outra - senti como se o verão estivesse chegando e o calor no coração gelasse todo o meu corpo.
Ali, tudo era brincadeira, num imenso carrossel de verdade.
Bonitos eram os monstros pregados nas paredes da imaginação, enquanto o certo era tropeçar no amor, depois recomeçar nas esquinas do mundo, irreverente, como se fosse apenas passageira humana numa espaçonave de androides.
Passei os olhos pelas linhas daquela página e descobri que por mais que duvidasse, aquela paixão era o fim de tudo que estava começando.
Era como olhar por uma fresta, de fora para dentro, onde nada se via, já que a luz estava aqui.
Onde o real era meu reflexo no espelho e o sentimento, uma fantasia de carnaval.
Entrei naquele conto, como quem tira o pijama para dormir e, quando terminou, tive apenas que virar a página, reler as notícias do dia seguinte, que eram sempre iguais as do dia anterior, no jornal de hoje, enquanto saboreava o café quentinho da manhã que acabara de tirar da geladeira.
Então, conclui que mesmo estando na página seguinte daquele romance, que mudara a história, o avesso da vida era o meu cotidiano.
A vida em si era a autora daquela aventura, onde o direito não tinha rótulo, mas as personagens só conheciam aquilo que já tinha se apagado, enquanto dali de cima, eu olhava o rio correndo com o tempo e, a cada página virada, trocava também o sentimento de prateleira, colocando-o ora no lugar da amizade, ora no lugar do sexo, por vezes, na repartição do medo, mas sempre era o mesmo, de um lado ou de outro, sempre o amor, capaz de odiar intensamente cada lágrima derramada e sorrir mais tarde, pela lembrança daquela noite onde nem o bandido, nem a megera, puderam estar presentes.
O mocinho então, tomou a mocinha nos braços, afogando-se com ela no Lago dos Amantes, vivendo assim, como em todo conto de fadas, mortos e esquecidos para sempre.