sexta-feira, 27 de abril de 2012

Missiva

Meu querido "Kokão", faz um mês que nos despedimos (aliás, eu me despedi de você).
A saudade é enorme, mesmo por tão pouco tempo de afastamento...
Tempo? O que dizer desse ditador, que enquanto conforta, trata das feridas, também me acorrenta e mantém refém de seus caprichos?
Você se foi, sem dizer adeus, porque saiu durante a chuva, em meio à tempestade de raios e trovões, como se tivesse medo da despedida.
Eu estava lá, mas você fez questão de não olhar pra mim. Fui para estar com você, mas como estava determinado, continuou naquele sono do qual não mais acordou.
Lhe abracei, segurei a sua mão, lhe sussurrei o meu amor, a minha gratidão, mas você manteve o silêncio.
Papai, a minha dor, era maior que a sua, pois era eu quem ficava, enquanto você buscava novos horizontes (quem sabe, encontrar com a mamãe), me deixando ali, sem poder fazer escolhas e, ademais, você estava sedado, eu não.
Afirmou a sua história, nas minhas lágrimas, permitindo que eu me sentisse assim, desamparada.
Não pude me redimir; Não pude agradecer; Não pude contar meus segredos... e você, não me contará mais os seus...
Kokão, éramos tão amigos... ou somos?
Naquela hora, só conseguia pensar que você precisava ir e por isso, não pedi para que ficasse, mas se estava me vendo, sabia que a minha vontade era gritar que não fosse.
Eu ainda preciso tanto de você! Não sei andar sozinha! Você foi sempre tão presente, que se esqueceu de me dizer como seria.
Aliás, Kokão, também não cumpriu a sua promessa: disse que viveria até os 112 anos!
Me fez acreditar que tinha o poder de determinar quando fosse a hora de partir... hoje, concluo que você também não sabia.
Na memória, guardo o seu sorriso, o azul dos seus olhos, a lembrança das suas mãos, sempre trêmulas, mas que transmitiam a segurança que ninguém jamais será capaz de me dar.
Lembro o som da sua voz, e às vezes, ainda ouço você me chamar. Que loucura! Sei que não está mais comigo, mas não posso pensar que seja assim... afinal, você me disse que a vida continua!
Sempre acreditei que você seria eterno! Que tola!
Sinto muito a sua falta, que me remete aos ensinamentos que me deu, ao seu afeto paterno, e não me permito sentir a sua ausência. Você continua...
Agora, me restam as lembranças, a saudade que fere diariamente, impedindo que a dor esmoreça, o aprendizado que foi viver sob a sua proteção e o seu amor.
Sinto que todo o meu amor por você, não justifica o quanto devo lhe agradecer.
Quando puder, e se puder, me responde essa carta. Mesmo não acreditando que aconteça, em algum cantinho escondido no meu coração, estarei pensando que um dia, vou receber notícias suas e você vai me provar que isso não é fantasia, que é possível, até porque, preciso acreditar.
Com amor, sua filha, sempre...

Boa tarde!