domingo, 24 de abril de 2011

Conto (revisado)

O conto abaixo, escrevi em 1989 e foi publicado em junho, no n.º 4 da revista mineira Autêntica (periódico publicado em Uberaba-MG), que recebeu, na época, muitos elogios, inclusive da revista Veja (Editora Abril). Resolvi postar hoje, para desejar feliz páscoa aos seguidores e visitantes. Espero que apreciem.

O presente
 
A campanhinha nem tocou, ou tocou, não me lembro. Na verdade fui lá e abri a porta.
O homem de uniforme vermelho me disse que era do Correio.
Pensei confusa, se os Correios haviam mudado a cor do uniforme. Eu tinha certeza que antes a cor do uniforme dos Correios era amarela!
Não cheguei a perguntar, pois ele segurava aquela imensa caixa, toda embalada cuidadosamente, dizendo que era para mim.
Eu disse que não havia encomendado nada.
O homem do Correio perguntou se aquela não era a rua do endereço destinatário. Era. 
Perguntou se aquele não era o meu nome. Era - e olha que ele nem havia perguntado como eu me chamava, mas sabia que era eu!
Insisti: não havia encomendado nada! Mas o homem me falou que tinham mandado ele fazer aquela entrega, naquela rua, naquele número e para mim. E tudo conferia.
Perguntei sobre quem havia mandado.
O homem com o uniforme dos Correios, que agora não era mais amarelo, e sim vermelho, disse que era aquele que estava no cartão do remetente.
Procurei o cartão. Estava em branco.
Disse ao homem que segurava o pacote, que não havia remetente.
O entregador me respondeu que eu teria que reclamar no Correio, antes, para poder reclamar, deveria receber a encomenda.
Mas e se houvesse algum engano e não fosse para mim?
O homem do uniforme vermelho me respondeu que os Correios não se enganam. O pacote era meu mesmo.
O sol já estava quente e a embalagem começava a transpirar.
O que seria?
O homem me disse que não era pago para saber o que continham as caixas, mas apenas para entregá-las.
Eu argumentei que poderia pedir informações lá nos Correios, com algum funcionário que fizesse as embalagens. Ele concordou, mas informou que para tanto, eu deveria acusar o recebimento naquele papel timbrado e depois de receber a caixa, ir aos Correios e preencher um formulário para depois de protocolado, se deferido, poder perguntar para o funcionário que fazia os pacotes.
E se eu não quisesse aceitar?
Enquanto isso, a caixa já começava a pingar de tanto que o sol estava quente!
Aí, o homem de uniforme dos Correios, disse que eu não poderia deixar de aceitar; Primeiro, porque ele não poderia voltar com o pacote para não ser demitido e segundo, porque se era um presente, não ficava bem devolver.
É, nisso tive de concordar. Seria deselegante não aceitar um presente.
O homem dos Correios, de uniforme novo, que não era mais amarelo, mas sim vermelho, já estava cansado de tanto segurar aquela caixa, toda embalada com a experiência de quem sabe fazer pacotes. Tinha uma aparência envelhecida e fiquei pensando se não era por causa do calor, que no momento, fazia com que as fitas adesivas em torno da caixa, se despregassem, enquanto o conteúdo da mesma escorria e evaporava, antes de tocar o piso.
O homem do uniforme me perguntou onde poderia deixar o pacote.
Eu lhe pedi que deixasse ali mesmo, na sala. 
Ele deixou a caixa imensa, agora toda molhada e degringolada, no meio da sala, me deu o papel timbrado dos Correios, para eu assinar, acusando o recebimento.
Quando olhei a data, percebi que havia se passado trinta anos, desde o dia em que o homem do traje vermelho chegara a minha porta, com aquele embrulho enorme, já todo amarrotado.
Cansada também, assinei, um tanto desolada, mas ainda curiosoa sobre quem teria me mandado o presente.
O entregador foi embora exausto, meio triste até.
Eu fiquei ali, sentada, olhando para aquele embrulho todo desmatelado no chão.
Só então resolvi saber o que continha e decidi desmanchar o pacote, agora seco, desbotado e amarfanhado.
Rasguei o papel envelhecido pelo tempo e deparei com a caixa de papelão.
Sobre a mesma havia um aviso:

"FRÁGIL - ESTE LADO PARA CIMA"

Abri a caixa e dentro dela encontrei um saco plástico, transparente, selado com um rótulo, mas o saco estava vazio.
Irritada com a brincadeira e a perda de tempo, li o rótulo:





CONTEÚDO VOLÁTIL:
F E L I C I D A D E